quarta-feira, 14 de abril de 2010

Poesia - Cidades

I

cidades que irrompem da terra escura

como árvores pintadas…

cidades efémeras

cidades incrédulas

cidades paradas no sopro da tarde

cidades inventadas de poeira fina num deserto roxo

cidades de sonho

cidades de sombra com luz por dentro…

cidades esmagadas e habitadas por mulheres de sal

cidades traçadas sobre um rio de mármore

cidades de deuses redentoras dos homens e das outras cidades

cidades esculpidas

cidades antigas de jardins suspensos num lago de sonhos

cidades de pássaros

cidades fantasma

cidades esquecidas no bolor dos tempos

cidades nascidas na poeira do nada…

cidades santas com pedras em sangue

cidades invisíveis com nome de Cloé, Zirma e Octávia

cidades distantes

cidades de luz

cidades de água…




II

a cidade descoberta sob a branca luz da tarde…

…mesmo ao lado dos campos e das águas.

de longe não lhe vemos os abismos nem os ruídos

nem os cinzentos que lhe atravessam as ruas e as praças…

são de cristal os prédios e campanários

límpido e puro o seu recorte…


ficamos a olhá-la longamente… até nos arderem de espanto os olhos…




III

nas ruínas da cidade permanece a poeira das memórias…

séculos e séculos de reencontros

e traições e abandonos…

e sonhos apunhalados…despenhados do alto das suas torres

sobre um rio que atravessa imperturbado…

e à noite na penumbra de muitas vozes

há deuses de pedra caminhando com leveza sobre o tempo

enquanto as aves famintas lhes dilaceram os olhos…

vejo-os do alto do meu prédio entre lápides e ciprestes…

estendo as mãos e saúdo o exército que irrompe do nada

desalinhado e fúnebre na cidade novamente sitiada

depois afasto-os com um gesto breve

mesmo a tempo de me salvar das suas hostes…




IV

na cidade cansada as ruas desfazem-se lentamente dos seus mistérios

e erguem-se intactas e lavadas da terra escura

ao lado das tílias e dos jardins tratados…

porque amanhece…

4 comentários:

  1. Stau Monteiro escreveu um livro "Felizmente há Luar!" e acerca do teu poema, eu direi "Felizmente a Clara escreve poesia!..."
    É muito denso este teu poema. Escreve também sobre a vida simples das pessoas simples que simplesmente vivem... Pode ser?
    Bjs.
    Augusto Paulo

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  2. Parabéns, Clara! Pelas palavras e pelas imagens. Há tanto tempo...

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  3. Isabel que bom saber de ti. manda-me notícias tuas.Meu e-mail: deandradeclara@hotmail.com
    Obrigada pelo comentário.
    Beijinhos

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  4. Gostámos tanto da cerimónia de "vernissage" da exposição das cidades. Tudo lindo e intimista. Que sorte ter amigos assim. Onde estão as fotos? têm de vir para o blog, é também para isso que serve.

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